Blog

Mudança no blog

Caros, informo que vou parar de atualizar este blog neste momento. Seguindo as tendências de leitura, vou substituí-lo por uma newsletter literária, que deve começar a circular em janeiro de 2023. O leitor a assina e a recebe automaticamente, com uma frequência pré-determinada. Penso que isso facilita a leitura e também a escritura. Eventualmente, manterei o blog replicando a newsletter – vou pensar nisso. Grato pela “audiência”.

Brevemente informo mais sobre a Newsletter.

A convite da Fundação José Saramago, Sesc e Editora Record, “O Réptil Melancólico” viaja para Portugal amanhã.

Vamos participar do FOLIO, o Festival Literário Internacional de Óbidos e de uns outros eventos mais. Minha programação no evento:

Dia 17/10 estarei em Óbidos, participando do FOLIO, a maior feira literária de Portugal, num debate sobre “Literatura Brasileira Contemporânea”.

Dia 18/10 na Biblioteca José Saramago em Montemor-O-Novo, um bate papo sobre literatura, escrita e livros.

Dia 19/10 no auditório da Casa dos Bicos, em Lisboa, numa conversa sobre o tema “Para que servem os prêmios literários?”

Sempre batendo papo com João Gabriel Paulsen e Diogo Borges.

(As imagens já são de divulgação da Fundação José Saramago e da Folio 2022, pois o evento já está em curso)

O Nobel para Annie Ernaux

Annie Ernaux, escritora francesa de 82 anos, recebeu esta semana o prêmio Nobel de literatura. Na justificativa do prêmio, a Academia Sueca destacou o tratamento que a autora dá para o tema da memória: “a coragem e a acuidade clínica com a qual ela descobre as raízes, os distanciamentos e os desafios coletivos da memória pessoal”. Embora os seus livros partam sempre da memória pessoal e íntima, essas memórias são sempre atravessadas pelo coletivo, pela memória social e pela história comum.

Imagem de divulgação.

É nesse encontro de memórias que sua obra ganha uma dimensão política, porque o confronto entre a memória pessoal e a coletiva dá o que pensar a respeito de temas como a dominação de classes, o aborto ou a condição social da mulher, dentre outros que ela discute na sua obra. Nesse sentido, a atribuição do prêmio a Anni Ernaux tem uma dimensão política importante. Inclusive porque, embora a França seja o país com o maior número de prêmios Nobel de literatura (16, com este), Ernaux foi a primeira mulher a recebe-lo. Antes dela, o último francês a receber o prêmio foi Patrick Modiano, em 2009.

Ernaux examina, com seus livros, temas complexos, como a vergonha, o ciúme, a inveja, a humilhação. A Academia Sueca também escreveu, na sua justificava da premiação, que Ernaux seria “mais uma etnóloga dela mesma que uma autora de ficção”.

Um exemplo disso é o romance “Les Années”, no qual ela parte de suas memórias pessoais e, aos poucos, por meio de referências e citações decanções, programas de televisão, filmes e debates, vai trançando uma memória coletiva, a memória de uma geração que nasceu durante a guerra e foi marcada pelos existencialismo dos anos 50 e pela liberdade sexual dos anos 60.

Seus livros são bastante acessíveis e costumam ser um sucesso de vendas. Muitos deles venderam mais de 500 mil exemplares e, mais recentemente, ela se tornou um personagem hiper midiatizado, na França, em função da adaptação para o cinam de seus livros “L’Événement” e “Passion Simple”, o primeiro premiado com o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza e também com o Prêmio Lumières.

Sua linguagem é cristalina, apesar da complexidade dos temas e da profundidade psicológica dos personagens. Alguns dizem que seu estilo é “clínico”, quase, de fato a linguagem científica de um etnólogo, liberada de todo lirismo. Uma « écriture plate », como dizem.

Adeus a Javier Marías

Morreu ontem, domingo em Madri, o escritor Javier Marías. Tinha 70 anos e foi um dos grandes autores contemporâneos em língua espanhola. Uma pneumonia o deixara em coma há cerca de 30 dias. Sua prosa era introspectiva e digressiva e heterodoxa. Um exercício de compreensão do mundo.

Imagem de divulgação.

Marías nasceu em Madri, em 1951, e cresceu cercado pela literatura e começou a escrever ao 11 anos, para, segundo ele mesmo disse, “continuar a ler aquilo de que gosto”. Sua mãe, Dolores Franco, era escritora e tradutora. Seu pai, o filósofo Julián Marías Aguilera. A ele o escritor dedicou seu romance – em três volumes – O Teu Rosto Amanhã. Teve tios que foram humanistas respeitados: Miguel (crítico de cinema e diretor da Filmoteca Nacional espanhola), Fernando (historiador da arte, especialista internacional na obra de El Greco) e Álvaro (flautista clássico). Na sua infância residiu com a família nos Estados Unidos (o pai havia sido proibido de lecionar na Espanha franquista), numa casa que pertencia a Jorge Guillén, e teve por vizinho Vladímir Nabokov.

Seu primeiro romance foi publicado em 1971, Los Domínios del Lobo. Seguiram-se vários outros, dentre os quais Coração tão Branco, Travesía del Horizonte, El Monarca del Tiempo, El Siglo, O Homem Sentimental, Todas as Almas, Amanhã na Batalha Pensa em Mim e Negras Costas do Tempo numa obra marcada pela subjetividade, por tramas de espionagem e por cenários passados no mundo acadêmico. Não eram temas distantes, pois Marías lecionou durante anos na universidade de Oxford, cercado por intrigas acadêmicas e por colegas cientistas que eram também espiões.

Suas obras foram traduzidas em 46 línguas em publicadas em 59 países. Recebeu incontáveis prêmios literários, mas não o Nobel, apesar das muitas expectativas (justas) criadas a esse respeito no mundo literário. Seu último livro, ¿Será buena persona el cocinero?, chegou às livrarias em fevereiro último. Esse livro traz uma seleção das crônicas que publicou na revista El País Semanal, encarta de El País, onde escreveu durante duas décadas, ou, “más s de 900 domingos”, como dizia.

Julián Fuks, ditaduras, exílios e O Réptil Melancólico

Já li várias crônicas e textos críticos de Juliás Fuks e também o belo romance “A Resistência” – que, creio, me deu muita coragem para escrever O Réptil Melancólico. Muitas diferenças entre os livros, mas algumas proximidades: os temas da ditadura militar, do exílio, do retorno a casa, do irmão… E, creio, também um pouco da questão do passado roubado. Solidariedade Fuks, Brasil nunca mais.

Solidariedade a Julián Fuks

Estava lendo que o escritor Julián Fuks recebeu ameaças de morte após sua crônica semanal no UOL. No texto, intitulado ‘Precisa-se de terrorista capaz de um ato sutil que transforme a história’, Fuks critica a decisão do Governo Federal de receber, com honras de chefe de Estado, nas comemorações do bicentenário da independência brasileira, os restos do coração de dom Pedro I, enviados de Portugal. O escritor foi atacado pelos filhos de Jair Bolsonaro, que sugeriram que estava fazendo apologia do terrorismo e, num crescendo, pelos eleitores do presidente. Efetivamente, Fuks utilizou a palavra “terrorismo”, como explicou, em sentido figurado, “literalmente evocando uma ação poética contra essa cerimônia e afirmando desde a primeira linha que a proposta era contrária a toda violência, truculência, brutalidade e grosseria”. Fuks, além de escritor, é jornalista e crítico literário. Recebeu os prêmios Jabuti, Saramago e o segundo lugar no prêmio Oceanos. É um nome presente corajosamente do debate brasileiro. Solidariedade a ele. Toda ameaça a democracia e ao bom senso precisar ser monitorada e reprimida.

O escritor atua como um “mediador da cultura coletiva”. Viva Godofredo Neto!

O escritor e professor Godofredo de Oliveira Neto tomou posse na Academia Brasileira de Letras, dias atrás, ocupando a cadeira que antes pertenceu a Cândido Mendes, falecido em fevereiro passado e que já pertencu a José Honório Rodrigues. Conheço pouco seu trabalho como escritor, apenas o romance Menino oculto (editora Record, 2005), prêmio Jabuti em 2006, mas conheço um pouco mais de seu trabalho em teoria literária – e, consequentemente, de sua militância política, que se envolve a sua atividade como docente e pesquisador.

Godofredo foi perseguido pela ditadura e se exilou na França, fazendo mestrado e doutorado. De retorno, tornou-se docente da área de Letras da UFRJ. Tem uma coisa no trabalho de Godofredo Neto que me encanta: sua ideia de estabelecer “pontes” entre os escritores de outra época e o contemporâneo. Um de seus temas recorrentes é a questão do inconsciente do texto, a percepção de que toda obra literária tem muito do autor, é claro, mas também da cultura, do espírito de uma sociedade – daquilo que eu (ousando o diálogo) trabalho sob a ideia fenomenológica de intersubjetividade. Por meio desse conceito, Godofredo Neto coloca que o escritor atua como um mediador da cultura coletiva, o que permite as referidas “pontes”.

O viajante literário em Londres 8: Jane Austen

Tudo já se falou sobre ela e todo mundo gosta dos seus romances, dos filmes neles baseados e da inner culture em torno da sua obra, eu inclusive. Então, vou direto aos pontos que me interessam mais.

Primeiramente, o fato de que, não sendo londrina – e tendo vivido bem pouco na capital – Austen conseguiu transformar Londres num verdadeiro personagem, coisa que muitos tentaram, mas que poucos – como Charles Dickens e Arthur Conan Doyle, além dela – conseguiram.

Segundo que, pertencendo ela mesma à gentry – essa pequena nobreza rural -, ela conseguiu transformá-la num outro verdadeiro personagem, coisa que muitos igualmente tentaram e que poucos – como Henry Fielding e Evelyn Waugh, além dela – conseguiram.

Terceiro, que a ironia austeniana (posso dizer isso?) é uma marca literária tão forte – e ao mesmo tempo tão discreta – que, com ela, Jane conseguiu transformar-se num personagem de suas próprias obras. Coisa que, ora, muitos também tentaram e poucos – como Geoffrey Chaucer e Oscar Wilde, além dela – conseguiram.

Austen nasceu no Hampshire, depois viveu em Southampton, voltou para o Hampshire, foi e voltou várias vezes a Londres, onde moravam seus irmãos, passando lá temporadas e, ficando doente, voltou em 1817 para morrer no seu Hampshire velho de guerra – mas na cidade de Winchester, primeira capital da Inglaterra – quando ainda não havia tal Inglaterra, mas os reinos de Mécia, Wessex etc.

Então, a cidade de Londres, ainda que personagem maior da obra de Austen, foi um lugar onde ela morou por temporadas. Mas posso seguir seu rastro.

Primeiramente, 10, Henrietta Street, onde residia Henry Austen, o irmão querido de Jane entre 1813 e 1814. A rua homenageia a rainha desse nome, esposa de Charles I. Bem próxima de Covent Garden, abrigava, desde sua criação, em 1634, a gente de comércio que ia enriquecendo nessas proximidades. Na segunda metade do século XIX começou a abrigar artistas e casas de edição. O número dez é um prédio branco, georgiano, de uns cinco andares indistinguível dos demais – a não ser pelo fato de que Jane Austen passou nele algumas noites.

O outro endereço da escritora que visitei foi 23 Hans Place, em Knightsbridge. Em 2019 o site MyLondon anunciava esse apartamento para aluguel: “Take a look inside the stunning flat Jane Austen once called home”… O prédio poligonal, de tijolos vermelhos e pequenas janelas brancas, que pertencia a Henry Austen, abrigou várias vezes sua irmã, nos anos de 1814 e 1815. Era Henry quem cuidava dos seus contratos editoriais e foi seu médico que trouxe o recadinho do Senhor Príncipe Regente. O prédio ocupa um endereço nobre, Knightsbridge fica entre Belgravia e Chelsea e tem vários parques nas proximidades. Já era assim no tempo de Jane Austen e o prédio por ela habitado fica a dois passos da Cadogan Street, que aparece em Pride and Prejudice.

Lamentavelmente, a carreira de escritora de Jane foi curta, como se sabe. Sense and Sensibility foi aceita por um editor em 1810 e foi publicada com um pseudônimo, ou melhor, como um acrônimo, ou um anacronômico: “By a Lady”. Recebeu boas críticas e deram à Lady um lucro de 140 libras esterlinas, algo muito bom para a época. Em 1813 saiu Pride and Prejudice, outro sucesso e, em 1814, Mansfield Park, que vendeu todos os exemplares em seis meses. Com o sucesso dessas obras, acabou-se revelando a identidade da autora.

O sucesso é indiscreto, como se sabe.

E a família de Austen também o era. Suas tias e sobrinhas fizeram que fizeram até revelar Jane ao grande público. E, pois bem, o próprio Príncipe Regente, o futuro George IV – que governava em nome de seu pai doente – tão encantado da obra de Austen, mas tão encantado mesmo da obra de Austen, mandou um recado por seu médico, que era também o médico que tratava o irmão de Jane durante uma doença: pedia que seu próximo livro fosse dedicado a ele, o Senhor Príncipe Regente…

Que coisa indiscreta, não? E invasiva. E Austen assim o fez. Em dezembro de 1815 foi publicada Emma, obra dedicada ao Senhor Príncipe Regente e um grande fracasso.

E me digam, de novo, se isso não parece coisa de um livro de Jane Austen!

Mentira, Emma também foi um sucesso. Eu só não queria perder a piada.

No ano seguinte saiu a segunda edição de Mansfield Park, que não logrou o mesmo êxito e Austen chegou mesmo a perder dinheiro. Não que tivesse ganho tanto assim, mas essas libras faziam a diferença na sua vida de moça solteira e de nobreza empobrecida. Ainda em 1815, Austen começou a escrever Persuasion e, em 1817, começou Sanditon, mas não conseguiu terminar nenhuma dessas obras: estava doente, e piorava a cada dia, a 18 de julho de 1817, exatos 205 anos do momento em que estou escrevendo estas linhas.