Annie Ernaux, escritora francesa de 82 anos, recebeu esta semana o prêmio Nobel de literatura. Na justificativa do prêmio, a Academia Sueca destacou o tratamento que a autora dá para o tema da memória: “a coragem e a acuidade clínica com a qual ela descobre as raízes, os distanciamentos e os desafios coletivos da memória pessoal”. Embora os seus livros partam sempre da memória pessoal e íntima, essas memórias são sempre atravessadas pelo coletivo, pela memória social e pela história comum.

Imagem de divulgação.
É nesse encontro de memórias que sua obra ganha uma dimensão política, porque o confronto entre a memória pessoal e a coletiva dá o que pensar a respeito de temas como a dominação de classes, o aborto ou a condição social da mulher, dentre outros que ela discute na sua obra. Nesse sentido, a atribuição do prêmio a Anni Ernaux tem uma dimensão política importante. Inclusive porque, embora a França seja o país com o maior número de prêmios Nobel de literatura (16, com este), Ernaux foi a primeira mulher a recebe-lo. Antes dela, o último francês a receber o prêmio foi Patrick Modiano, em 2009.
Ernaux examina, com seus livros, temas complexos, como a vergonha, o ciúme, a inveja, a humilhação. A Academia Sueca também escreveu, na sua justificava da premiação, que Ernaux seria “mais uma etnóloga dela mesma que uma autora de ficção”.
Um exemplo disso é o romance “Les Années”, no qual ela parte de suas memórias pessoais e, aos poucos, por meio de referências e citações decanções, programas de televisão, filmes e debates, vai trançando uma memória coletiva, a memória de uma geração que nasceu durante a guerra e foi marcada pelos existencialismo dos anos 50 e pela liberdade sexual dos anos 60.
Seus livros são bastante acessíveis e costumam ser um sucesso de vendas. Muitos deles venderam mais de 500 mil exemplares e, mais recentemente, ela se tornou um personagem hiper midiatizado, na França, em função da adaptação para o cinam de seus livros “L’Événement” e “Passion Simple”, o primeiro premiado com o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza e também com o Prêmio Lumières.
Sua linguagem é cristalina, apesar da complexidade dos temas e da profundidade psicológica dos personagens. Alguns dizem que seu estilo é “clínico”, quase, de fato a linguagem científica de um etnólogo, liberada de todo lirismo. Uma « écriture plate », como dizem.