O Réptil

O Réptil em 5 elementos

1. A ficção, a intriga, os personagens

O enredo do romance se produz em torno do processo de retorno, para Belém, após longo exílio político fora do país, de um rapaz, Felipe, técnico em restauração de prédios históricos. Nesse processo, reestabelece contato com sua família paterna, modelo de uma certa burguesia da cidade de Belém. Felipe saíra de Belém na primeira infância, levado por sua mãe, militante política perseguida e torturada pelo regime militar brasileiro. Em seu retorno, destaca-se o diálogo com seu primo Miguel, que em paralelo faz o processo oposto ao de Felipe: o de sair de Belém.

Os personagens do livro gravitam em torno da casa familiar, habitada pelo avô de Felipe e de Miguel e por outros personagens, alguns deles alegóricos. Aliás, “O Réptil Melancólico” é um romance com muitos elementos alegóricos. A própria cidade de Belém se transforma num verdadeiro personagem, inclusive porque é uma Belém diferente da maneira como geralmente é representada, rompendo com alguns estereótipos.

2. O estilo

O texto possui uma narrativa superposta. O elemento dominante é a narração de Felipe, à qual se acrescentam fragmentos narrativos na voz de outros personagens e mesmo do autor. Um recurso importante é o diálogo, que também lida com um componente de superposição: ao diálogo “efetivo”, marcado por aspas, superpõe-se muitas vezes o pensamento dos personagens, “sem as aspas”, formando um jogo compósito que tematiza o mote do romance, seu jogo de ser-não-ser, de aparência-verdade.

Nesse mesmo jogo, o romance tem componentes alegóricos: o réptil melancólico que lhe dá o título, figura imaginária que desaparece nas paredes de Belém; a casa do Anfão – cenário onde vive a família dos personagens; o convento do bairro fictício do Moncovo, em restauro por Felipe e pivô de seu retorno à cidade, e vários outros, que se envolvem à narrativa e à intriga permitindo que a história se lance em direção a um segundo plano – digamos assim, ontológico.

3. O mundo contado e não/contado

O cenário do livro tem um pano de fundo baseado em duas outras dicotomias: história/ficção e Amazônia/Brasil. A narrativa parte de uma distopia, discretamente enunciada: a ideia de que o velho Estado do Grão-Pará não aderiu à independência brasileira em 1822, restando colônia portuguesa até os anos 1960, quando, no contexto das Guerras Coloniais (guerras de decolonização) portuguesas e do regime salazarista, acaba sendo capturado pelo Brasil do regime militar, que promove uma reescritura geral da história, sugerindo que “na verdade”, a Amazônia “sempre” foi um espaço brasileiro.

Essa narrativa também alegoriza a história cultural da Amazônia, em seu isolamento e em sua proximidade a Portugal e o violento processo de integração nacional forçada, promovido pelo regime militar. A luta política dos personagens se dá num contexto geral de colonização, que tematiza o Grã-Pará, ou Amazônia, como um espaço eternamente colonizado.

4. A mensagem

O livro sugere o problema da superposição ontológica como uma metáfora para variadas dicotomias: Felipe / Miguel ; Retornar a Belém / Sair de Belém ; História / Ficção ; Amazônia / Brasil ; Fato / Alegoria.

De certa maneira, é um “romance de formação”, pois narra o aprendizado de mundo de Felipe, mas também é um romance político, pois refere, basicamente, o problema da narrativa. Ou melhor, o problema da narrativa colocado pela perspectiva do conflito ôntico/ontológico tema  tizado por Heidegger.

Afinal, a mensagem que o romance busca passar é a de que nenhuma essência ou realidade ôntica (a história) pode conter, domesticar, uma existência ou realidade ontológica (a ficção e o ímpeto da política em recriar, reinventar, o mundo). 

Nesse sentido, “O Réptil Melancólico” é um livro político: ele discute a relação assimétrica das relações entre a sociedade nacional brasileira e a Amazônia e faz uma crítica do colonialismo interno brasileiro. Também importante é a denúncia do pensamento desenvolvimentista e militarista presente nessa relação.

5. A escrita da obra

Escrever literatura é um projeto antigo para mim, mas acabou perdendo espaço para a escrita científica, que exige muito tempo e dedicação. Publiquei um livro de contos, “Terra dos Cabeçudos”, quando tinha 17 anos e daí nuca mais. Até recebi dois outros prêmios literários nesse meio termo, por outras obras, mas elas continuam inéditas.

Creio que a experiência da pandemia me motivou a sistematizar e priorizar esse projeto, e isso por dois motivos: primeiramente porque a experiência de perder muitos amigos e conhecidos me fez perceber que eu perdia também interlocutores, pessoas que eu gostaria que tivessem lido meu trabalho literário, mesmo porque, de certa maneira, eu escrevia também para eles.

E, em segundo lugar porque, diante de tudo o que estamos vivendo no país, hoje, eu precisava buscar novas vozes e novas modulações para fazer política. E penso que a literatura, com seu pode ser criar e desconstruir mundos, é um grande gesto político.