Cartas ao Leitor 5

Bom dia,

E bem-vindxs ao tempo que os alunos não têm o que dizer. Para nós, professores, é o mal constante das gerações recentes: perguntamos se alguém têm comentários ou questões e somos açoitados por um lancinante silêncio. Claro que há exceções (raras) e que me refiro mais à graduação, porque no mestrado e doutorado as pessoas falam mais – talvez com a excessão dos que vêm diretamente da graduação, e, assim, dessa cultura tartamuda.

Distantes tempos em que se alugava o professor com perguntas e que, do ponto de vista dos alunos, era um triunfo quando se conseguia construir um argumento que mobilizava toda a sala de aula. Distantes tempos em que se escrevia dez páginas (alguns vinte) para cada resposta na prova, quando o limite era de três páginas para a resposta. Ou em que a gente, quando era aluno, trazia nossas leituras de fora do programa para “dialetizar” a aula. Meus tempos… e nem tão distantes assim.

Lamento, mas, de boa, tanto faz: se é assim que é, se é assim que eles precisam que seja, fazemos o melhor, certo? Claro, e sigo corrigindo as provas dos meus alunos, neste semestre. É a semana do ano dedicada a isso: corrigir provas e auferir conceitos.

Mas deixei 30% da avaliação para pontuá-los por sua participação em aula. E ela não houve. Ninguém teve dúvida, dúvida de verdade. Pontualmente, uns não entenderam um detalhe, um detalhezinho, porque eles entendem geralmente tudo. Pontualmente, eles comentaram algo, e creio que todas as vezes foi a partir de uma experiência própria e intuitiva, do tipo “eu sinto que”. Apesar da farta bibliografia disponibilizada, só leram o que eu mandei ler: não há mais o conceito de autonomia de pesquisa, de curiosidade, de vontade de saber.

Bem-vindos ao um mundo em que os alunos, além de não falarem, lêem superficialmente, quando lêem. E que lêem o que lhes é imposto.

Sigo tentando compreender esse mundo estranho, mas não há sociologias que me o expliquem. Há confabulistas, que dizem que isso se deve à internet e a uma cultura que mistura superficialidade com fragilidade na nova geração. Pode ser, mas as pesquisas que dizem isso são também superficiais. Há que considerar a extrema vulnerabilidade psicológicas das gerações mais recentes. Mas a que isso se deve? E eu gostaria muito de entender o que está acontecendo, porque sem entender não tenho como ajudar, ou adaptar meu trabalho para que ele funcione melhor.

De qualquer forma, é preciso sobreviver a esse estranho mundo. Nunca foi tão cansativo ser professor, mas é preciso sobreviver. Aqui e ali vamos experimentando para ver se eles ficam mais estimulados, independentes, seguros, interessados. Aqui e ali… pontualmente.

Autor: Fábio Horácio-Castro

Escritor, jornalista, pesquisador, sociólogo, etnógrafo, fenomenólogo, professor. Sou também Fábio Fonseca de Castro e Fábio de Castro da Gama. Conforme a ocasião, o nome.

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