
No feriado de Páscoa estava lendo Albert Cohen, autor que poucos lembram, que está fora do cânone, ausente dos grandes cursos de literatura mas que é rigorosamente genial e grande no que fez. Estava lendo meu velho volume de La Belle du Seigneur, um calhamaço de mil páginas que conta uma história hiper simples e que envolve apenas três personagens. O livro, no entanto, se torna gigantesco por seu estilo, pela beleza da criação literária, inventiva e lírica e, também, pela ousadia narrativa.
Um elemento, dentre muitos, chama atenção: o recurso do monólogo interior, o dispositivo consagrado por James Joyce no seu Ulysses – mas que já estava presente no estilo indireto livre de Dostoievsky e que aparece em outros autores, em graus diferentes de inventividade.
Sim, o recurso marcado pela noção de fluxo da consciência, com uma economia catártica de pontuação, frases se sobrepondo a frases – a dita literatura moderna, por excelência.
Em Albert Cohen vemos uma interessante variação desse estilo: primeiramente, nota-se que não há a abundância de interjeições, de pontos de exclamação e de interrogação que vemos em Joyce e nem, tampouco, aquele diálogo ensimesmado, sempre centrado no conflito moral-ideológico, que vemos em Dostoievsky.
Temos outra coisa, inclusive difícil de dizer o que é. Mesmo porque, só nesse romance há uns dez monólogos interiores, todos diferentes entre si. O dos personagens Solal e Ariane são os principais. E é incrível a diferença ente eles: no monólogo interior de Solal, tem-se uma tônica argumentativa curiosa, que traduz o espírito cartesiano em suas agruras, em seus subterrâneos. No de Ariane, tem-se uma impressionante textura de sensualidade, centrada na observação do quotidiano e no desejo de transcendência.
Belo livro o de Cohen. A leitura foi interrompida pelo início da semana de trabalho: aulas, orientações, pareceres, reuniões, bancas, artigos… e nem tudo isso interessante E eis-me aqui pensando em como seria um monólogo interior dos meus afazeres na universidade… Evidentemente não vou atormentar vocês com essa chateação – mas pensar nisso e fundir os diferentes estares e tempos do meu trabalho me pareceu um recurso interessante para não sair do ambiente literário… um último recurso…
Boa semana a vocês.