Há 50 anos teve início, nesta data de 12 de abril de 1972, a guerrilha do Araguaia. No Réptil Melancólico, é um tema importante, embora tratado de maneira oblíqua, como é a proposição narrativa e estética do livro. Selma, uma das personagens centrais, tem duas experiências de tortura, que marcam profundamente um dos principais narradores da trama, seu filho, Felipe. Seu percurso de vida é uma tentação narrativa e uma experiência central, absorvente, para mim.
Passei uma parte da infância ouvindo histórias de tortura, que aconteciam ao meu lado e se vinculavam aos contos de terror que, paralelamente, habitavam meu universo: contos da cosmogonia amazônica, contos da floresta negra, fábulas góticas da Ibéria medieval, os contos de Canterbury e todas sorte de monstros, passíveis e impossíveis. Mas a ditadura milutar era o grande monstro. Em nosso abrigo, nossa casa afastada de Belém, cercada de mata, lago, silêncio e distância, escondíamos, muitas vezes, algumas pessoas. Alguns deles vinham do Araguaia, e outros e outras e outras e outras lutas, dentre as muitas que se faziam como a melhor esperança de acabar com a ditadura militar corrupta e abjeta que nos envolvia. Como foi a sua tortura, eu lhes perguntava, com seis, sete, oito anos de idade; e o relato deles é uma das partes mais importantes do Réptil.