
Carxs, bom dia e boa semana!
Quando nós morávamos na França e eu ia buscar o Pedro na escola (menos às quartas-feiras), participava alegremente – e com um curiosidade antropológica que não devia estar preenchendo os espíritos próximos – dos rituais de cumprimento comuns entre os pais: bonjours, comentários generalistas sobre o clima, referências superficiais ao estado de conservação do lugar e indicativos vagos como « lá vêm eles ! », « está na hora ! » ou « os exames estão chegando ! ».
Tudo muito vago e superficial. Não era questão, jamais, de falar de política, de um filme ou de nosso estado espírito.
Praticávamos todos uma retórica vaga, a enunciação de frases prontas que sequer demandavam, realmente, uma resposta. Détours rhétoriques…
Comecei a perceber que havia muito mais em torno daquele papo-furado. Nenhum papo-furado é, realmente, anódino e impune. Eles cumprem uma função social maior, de agregação, de marcação da identidade, de produção do ritmo social da vida em comum. Dizer que o clima estava frio, ou quente, ou lembrar que “está quase na hora” da saída das crianças não eram, unicamente, frases vazias que preenchiam o tempo. Eram muito mais: eram pactuações cortezes da existência em comum. Era entrar em comunidade. Era confirmar que partilhávamos uma experiência.
Mais tarde, percebi que esse papo-furado está presente em todo lugar (embora não em todos os lugares…) e que é uma parte vital da nossa vida social, provavelmente em todas as culturas e linguagens.
Isso tem a ver com Heidegger e com sua tese sobre a ek-sistência, precisamente a percepção de que não há Dasein (Ser-aí) sem Mitsein (ser-com-outros), inclusive (ou sobretudo) na vida quotidiana e banal, onde o estar-junto num horizonte possivelmente comum (o milieu, como dizem os franceses) se projeta em permanpencia: um lançar-se fora de si que precisa ser, o tempo todo, ensaiado, testado, repactuado.
E isso lembra também o filósofo japones Tetsurō Watsuji, primeiro grande leitor de Heidegger no Japão (e muitos se sucederam) que, inclusive, começou o seu grande livro Fûdo, de 1935, falandi sobre a banalidade da partilha da experiência climática do frio. Watsuji elabora um elogio da experiência banal e do diálogo banalizado: seriam eles, diz, vitais para a existência social, porque procedem sem nenhum olhar sobre o estado psicológico e profundo do interlocutor – exigido na conversação mais séria ou objetiva.
Pensando nessas coisas, me ocorreu lembrar o quanto é importante o quotidiano e, nele, o dizer-por-dizer, o falar-por-falar, o estar-por-estar, o ser-por-ser. O quanto é vital estar no mundo sem pulsões de consequencialidade.
É a partir dessa percepção que, o tempo todo, escapo dos grandes saberes, dos triunfos inter-pares da vã Academia, das teorias do discurso e das hierarquias determinativas do ser. E por quê estou dizendo tudo isso. Ora, porque já se passaram estes dias de festa e de estar à toa e à feliz mercê da imperfeição do mundo e, portanto, estamos recomeçando a lida na selva dos sentidos perfeitos, onde dizer “Bom dia” ou “Está quente, hoje, hein,” é, também, uma simples e “perfeita” ilocução…